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Células- tronco: o que são, para que servem.

1)O que são as células-tronco? O que as diferem das demais células do organismo?

Células-tronco são células que, postas em um microambiente adequado, podem se reproduzir e se diferenciar conforme as células vizinhas. São diferentes das outras células do organismo, porque estas já estão diferenciadas. Por exemplo, uma célula muscular produzirá miosina, um eritrócito produzirá hemoglobina. Como todas células do organismo recebem todo material genético, o que as diferenciam é o “trancamento” e “destrancamento” dos genes que produzirão substâncias específicas para cada célula de um determinado tecido.

2) De quais partes do organismo elas podem ser isoladas? Quais as diferenças entre as células-tronco adultas e as embrionárias?

Existem células-tronco embrionárias e adultas. As embrionárias são obtidas de um embrião ainda não diferenciado. As primeiras células produzidas a partir de uma célula ovo são totipotentes, isto é, têm capacidade de produzir qualquer célula, mas depois vão se diferenciando para dar as diferentes partes do organismo. As células-tronco embrionárias são retiradas de embriões na fase de blastocisto, ou seja, no caso humano um embrião de cinco dias. Nessa fase, o embrião humano se apresenta sob a forma de uma esfera envolvido por uma camada de células chamada trofoblasto, o qual após implantação no útero dará origem à placenta e às membranas embrionárias. Dentro da cavidade do blastocisto fica uma pequena camada de células chamada botão embrionário que dará origem ao embrião. Essas células são totipotentes, ou seja, são capazes de se diferenciarem e formarem um ser humano.

Já as células da medula óssea (chamadas também de hematopoéticas) são adultas. Estas normalmente dão origem a células sanguíneas - eritrócitos, leucócitos e plaquetas, mas podem se diferenciar em células musculares, hepáticas e neurais, ou seja, são pluripotentes. Em cultura, essas células apresentam um número normal de cromossomos, evidenciando que elas não se cancerizam, o que diminui o risco de proliferação intempestiva, e também servem para transplantes autólogos o que diminui o risco de rejeição.

Sabe-se também que células de sangue do cordão umbilical são ricas em células imaturas que podem se diferenciar. Em vários países há sociedades que propõem às parturientes estocar e conservar os cordões de seus filhos. Recentemente foi descoberto que células do líquido amniótico podem funcionar como células-tronco. Essas células parecem ser uma etapa intermediária entre células-tronco embrionárias e adultas, pois apresentam marcadores que se ajustam aos dois tipos de tecidos. Já foram utilizadas para criar músculos, vasos, capilares, nervos, ossos e células hepáticas.

Além dessas células, existem em alguns tecidos já adultos e diferenciados células-tronco de origem embrionária, cujo potencial de diferenciação depende da interação com células vizinhas. Por outro lado, células-tronco adultas foram encontradas na medula óssea, sangue, fígado, polpa dentária, cordão umbilical e placenta. Entretanto, a maioria delas tem capacidade menor de regeneração que células embrionárias ou clonadas.

3) O que são células clonadas?

Esse método consiste em retirar o núcleo de células já diferenciadas e colocá-las em um ovócito (células precursoras do óvulo), cujo núcleo foi retirado. O citoplasma do ovócito provavelmente tem fatores que estimulam as mitoses. Esse núcleo deve antes passar por um processo de perda de memória, o que na maioria dos casos é feito através da metilação do DNA. Essa célula ovo assim obtida é cultivada in vitro até a fase de blastocisto, após o que as células do botão embrionário são retiradas e colocadas em meio de cultura. Essas células servirão para clonagem terapêutica o que é diferente da clonagem reprodutiva cuja célula ovo implantada no útero dará origem ao indivíduo. Esse método tem a vantagem de evitar rejeição, já que o núcleo é retirado do próprio indivíduo, mas não serve se ele for portador de uma doença hereditária, já que todas células de seu organismo recebem o mesmo material genético.

4) Há um risco maior de rejeição de células-tronco embrionárias? A formação de tumores é um risco real? Por quê?

Sim. Os enxertos de células embrionárias são sempre aloenxertos (vindo de outro indivíduo da mesma espécie), e por isso, diferem nos antígenos do sistema HLA que são muito variados na população. Podem ser usadas nesse caso, substâncias, como a ciclosporina, que inibem ou atrasam a resposta imune. Já os enxertos com células da medula óssea podem ser autólogos (vindo do próprio indivíduo), o que elimina o problema da rejeição. As células hematopoéticas e as embrionárias têm uma menor quantidade de antígenos HLA, mas, quando elas se diferenciam, a quantidade desses antígenos se torna maior, o que aumenta o risco de rejeição. As células embrionárias têm um poder muito grande de reprodução, o que aumenta o risco do tecido se cancerizar. Além disso, antes do enxerto, elas são colocadas em cultura in vitro, o que aumenta o risco de quebras cromossômicas.

5) Quais doenças realmente já podem ser tratadas por esta terapia? Como são estes tratamentos? Que doenças ainda estão em fase de testes?

Algumas doenças já foram tratadas em animais experimentais e outras em seres humanos, entre elas o infarto do miocárdio. Durante o infarto, células irrigadas por uma determinada artéria coronária podem morrer e formar uma cicatriz fibrosa; nessa região podem ser injetadas células-tronco de medula óssea do próprio paciente que liberam fatores de crescimento celular como as citoquinas que revascularizam o coração. Em ratos, células-tronco embrionárias se diferenciam realmente em células cardíacas. Em um estudo no ano de 2001, realizado na UFRJ, um paciente que recebeu células da medula óssea para tratar de isquemia, após dois meses formou novos vasos e, após um ano formou novos músculos cardíacos. Nessa mesma universidade, em 2004, uma paciente que sofreu um AVC (derrame) foi tratada com células da medula óssea e teve melhora surpreendente, com recuperação de algumas funções cerebrais como caminhar e falar. Também na Argentina, a diabete tipo I já foi tratada com sucesso através de introdução de células-tronco (o trabalho que li não diz a origem dessas células) no pâncreas. Potencialmente, as células-tronco podem ser instrumentos terapêuticos para doenças degenerativas como diabetes, mal de Parkinson e osteoartrite.

Em ratos já foi conseguido criar pêlos, o que nos dá esperança de cura da calvície. Ainda em ratos já foram desenvolvidos dentes e implantados com sucesso. Pesquisas estão em andamento, também em ratos, com doenças neuromusculares, renais, hepáticas e oculares, mas esses tratamentos ainda não estão disponíveis para seres humanos.

6) A célula-tronco tem sido vista por muitos pacientes que sofreram lesões medulares como uma possibilidade de cura e restabelecimento de funções. Até que ponto isso é verdade?

Um trabalho publicado no “Journal of Biology” de abril de 2006 relata recuperação de medula espinhal danificada em ratos que receberam transplante de células imaturas do sistema nervoso central e tiveram mais de 60% de suas fibras sensoriais regeneradas. O estudo demonstrou que, em oito dias, mais de 2/3 das fibras nervosas tinham atravessado o espaço deixado por ferimentos e, após duas semanas, os ratos voltaram a caminhar normalmente. Este estudo foi possível pela transformação de células-tronco gliais em astrócitos, conhecidos por apoiar o crescimento de fibras nervosas. Estes astrócitos foram transplantados para medulas danificadas. Apesar de o experimento ter sido feito em ratos, é uma esperança para os seres humanos.

7) No Brasil como são regulamentados os tratamentos e a pesquisa de células-tronco? Quais entidades institucionais desenvolvem pesquisas nesta área? Quem apóia esses estudos?

No Brasil as pesquisas com células-tronco estão sendo desenvolvidas em algumas universidades, com auxílio do CNPq. As pesquisas com embriões humanos geraram uma enorme polêmica por motivos éticos e religiosos. De concreto temos a Lei de Biossegurança, aprovada em 2005, que autoriza o uso de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro para processos de reprodução assistida, que estejam congelados há mais de três anos, e que sejam doados para pesquisa com consentimentos dos pais. É proibido produzir embriões humanos para fins de pesquisas ou transplantes.

8) Até que ponto as notícias sobre clonagens de órgãos são verdadeiras? Essa técnica é possível? Como?

Alguns órgãos ou pedaços deles já foram produzidos através de células-tronco. Em 2006, cientistas britânicos anunciaram ter criado em laboratório partes de fígado humano (3 cm), a partir de células de cordão umbilical. O órgão poderá ser utilizado para testar drogas e produtos farmacêuticos, evitando assim o uso de cobaias animais e humanas. Este órgão não serve para transplante, pois o fígado tem seu próprio esqueleto fibroso, sua enervação e fornecimento de sangue, e o que se conseguiu foram células individuais de fígado e não o órgão inteiro, mas este fato já é um motivo de esperança. Em 2006, pesquisadores norte-americanos conseguiram válvulas cardíacas humanas a partir de células de líquido amniótico. A idéia é criar novas válvulas em laboratório durante o período de gestação para tratamento de problemas cardíacos congênitos já que estes podem ser detectados por ultra-sonografia em torno da vigésima semana de gestação. Também no Japão foram obtidas válvulas cardíacas de coelhos usando células dos próprios animais. Esses são os maiores avanços sobre clonagem de órgãos, mas até agora não foram feitos transplantes em seres humanos.

9) Para a senhora como fica a questão ética do uso de células-tronco?

Creio que a utilização terapêutica das células tronco, assim como as técnicas de diagnóstico através dos genes vão ter um impacto enorme na medicina, mas não dispomos de todos conhecimentos técnicos para isso, o que provavelmente será a medicina do futuro.

10) O congelamento de cordões umbilicais é um dos recursos utilizados para extração de células-tronco e tal processo tem alto custo. A senhora acredita que a terapia poderá ser incorporada em curto prazo aos serviços médicos do SUS ou se tornarão restritos a uma classe social economicamente mais favorecida?

Realmente os tratamentos com células-tronco são caros e maioria deles ainda não está disponível. Células-tronco de embriões compatíveis são difíceis de se conseguir já que só há embriões disponíveis para pesquisa. Quem sabe no futuro as leis poderão permitir que se faça um embrião específico (por exemplo: casais poderão fazê-lo para curar um filho e destruí-lo após 5 dias). Isso seria possível já que irmãos têm probabilidade de 50% de terem genes comuns e, portanto, o risco de rejeição é menor. Os tratamentos com células da medula óssea prometem muito e já são feitos de rotina em casos de leucemia. Essas células têm a vantagem de serem obtidas facilmente e por serem autólogas não produzem rejeição, mas são pluripotentes e não totipotentes. Testes ainda estão sendo feitos em animais, e de rotina em seres humanos parece que são usados em casos de infarto em alguns hospitais. Creio que, devido aos altos custos, nem todos os hospitais do SUS poderão usá-los. As células que melhor se diferenciam são as embrionárias, mas, como já citei, são pouco disponíveis e podem cancerizar e causar rejeição. A aplicação das células-tronco vai depender de pesquisas, mas é muito promissora.

Agência Notisa (jornalismo científico - science journalism)

Autor

Dra. Sonia Guinsburg Bióloga formada pela UFRJ, estuda e trabalha desde 1953 com genética médica. Ex-professora do Instituto de Biociências da USP e de Genética Médica da Faculdade de Medicina da Universidade de Taubaté (Unitau), que já foi também chefe do Serviço de Genética Médica do Hospital Universitário da Unitau.

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