Costumávamos viver em ambientes muito mais
sujos. Embora as casas sejam mais limpas, o ambiente construído contém muitos
componentes, incluindo produtos químicos e partículas no ar, e não apenas
micróbios
Quando a chupeta de uma
criança cai da boca (mesmo sabendo que as chupetas não são recomendadas), no
chão, ela é confiscada e desinfetada por pais ansiosos. Certo? Em alguns
casos sim... Em outros não... Muitos pais se preocupam com os germes e a
sujeira que entram na boca de uma criança. Mas muitos também ouviram, nos
últimos anos, a "hipótese da higiene", que afirma que alguma
exposição a germes e microorganismos, na primeira infância, é realmente boa
porque ajuda a desenvolver o sistema imunológico. Um estudo sueco de 2013, por exemplo, mostrou que crianças cujos pais apenas
sugavam suas chupetas para limpá-las apresentavam menor risco de desenvolver
eczema.
Quando falamos sobre a
hipótese da higiene, as teorias que abordam os possíveis problemas que podem
estar associados ao crescimento menos exposto aos germes e à sujeira, estamos
basicamente falando sobre crescer dentro de casa. Estamos falando de viver em
um mundo de superfícies relativamente limpas e controladas, onde mesmo as
crianças pequenas, que estão constantemente pegando coisas e colocando-as na
boca, não entrarão em contato com uma grande variedade de exposições.
O ambiente protegido é o
lugar em que as crianças crescem. Um estudo de 2016, publicado no The New England Journal of Medicine,
comparou os perfis imunológicos das crianças Amish, crescendo em pequenas
fazendas familiares únicas e crianças Hutterite, que são semelhantes,
geneticamente, mas crescem em grandes fazendas industrializadas. Os Amish,
vivendo em um ambiente descrito como "rico em micróbios", ou,
alternativamente, cheios de poeira, tinham taxas de asma surpreendentemente baixas.
Jack Gilbert, autor
do estudo é co-autor, com Rob Knight e Sandra Blakeslee, de um livro sobre o tema
chamado "Sujeira boa: a vantagem dos germes para o
sistema imunológico no desenvolvimento do seu filho".
Durante o último século e
meio, segundo Gilbert, desde a compreensão de que os micróbios causam doenças,
os seres humanos tentaram o máximo possível afastar seus corpos do mundo
microbiano de bactérias, vírus e fungos. E funcionou! Não há dúvida de que o
aumento da higiene salvou muitos da doença e da morte. Separar escrupulosamente
as crianças dos micróbios que podem ser encontrados em água impura, por
exemplo, ou do leite não pasteurizado tem um papel importante na redução da
mortalidade infantil, permitindo que milhões de crianças vivam e prosperem.
Ambientes
extremamente limpos
Mas também podemos
perguntar, nos últimos anos, se as crianças que estão completamente isoladas
dos micróbios podem crescer com algumas consequências negativas em decorrência
dos ambientes extremamente limpos em que vivem.
Essa separação realmente
começa mesmo antes de o bebê ser levado para o ambiente doméstico limpo. Todos
os mamíferos nascem fortemente inoculados com bactérias do canal de parto
materno. Para os bebês amamentados, o período de aleitamento materno é
geralmente um período de exposição ambiental menor, mas de uma exposição
materna intensa, e depois, após o desmame, os bebês entram em um período de
interação muito maior com os micróbios ao redor deles. O fim do período de
amamentação é o início de uma exploração ambiental muito intensiva. Isso
acontece com todos os mamíferos, incluindo os bebês humanos, que lambem e
colocam na boca tudo o que acham pelo caminho.
Os hábitos humanos
modernos podem interferir nesta exposição precoce aos micróbios. Os bebês podem
nascer por cesariana, sem exposição ao canal vaginal da mãe e suas bactérias;
eles podem ser alimentados com fórmulas em vez de amamentados; podem dormir
longe de sua mãe; podem ser tratados com antibióticos para uma infecção ou
outra. A Academia Americana de Pediatria recomenda o aleitamento materno para o primeiro ano de vida (nós, no Brasil, seguindo as orientações da OMS, até 2 anos ou mais) e
recomenda que as crianças durmam no mesmo ambiente que seus pais, mas em superfícies seguras e separadas para reduzir o risco de mortes relacionadas ao sono.
Em um estudo publicado em 2016, os cientistas perfilaram o desenvolvimento
microbiano de um grupo de bebês nos Estados Unidos, examinando as formas como
as suas populações bacterianas foram afetadas pelo modo de nascimento, pela
fórmula alimentar versus a amamentação e pela exposição antibiótica.
À medida que as casas se
tornam mais fechadas e mais subdivididas, os espaços são cada vez mais
separados por áreas de uso, e a velocidade que o ar exterior substitui o ar
interno diminuiu. O que acontece é que reduzimos a exposição às bactérias
ambientais externas, então nos tornamos a principal fonte de bactérias;
nossa pele, nossa boca, derramamos bactérias pela casa, que se torna altamente
humanizada, a maioria das bactérias em uma casa virão dos humanos. Depois
de muitos anos, você encontra bactérias altamente orais perto da pia, bactérias
fecais e vaginais, perto do banheiro, e bactérias da pele, no resto da casa.
Portanto, precisamos
estudar as consequências para a saúde do ambiente construído, mesmo o mais
moderno e mais "higiênico", que é um lugar complicado e, de modo
algum, estéril. Costumávamos viver em ambientes muito mais “sujos”. Embora as
casas sejam mais limpas, o ambiente construído contém muitos componentes,
incluindo produtos químicos e partículas no ar, e não apenas micróbios.
Estudos mostraram que
expor uma criança ao mundo é absolutamente crítico. Ao mesmo tempo em que os
pais não querem sair e expor o filho a infecções agressivas, também não querem
criar um ambiente estéril, onde o sistema imunológico não se desenvolva
normalmente, o que os coloca em risco de desenvolver doenças imunes. E o
que aprendemos, é que a exposição precoce aos micróbios pode dar forma não
apenas ao sistema imunológico, afetando a probabilidade de a
criança desenvolver condições autoimunes, como eczema e asma, mas também
ao sistema endócrino e mesmo o ao neurodesenvolvimento. Diferentes bactérias e
fungos afetam diferentes doenças de forma diferente e afetam diferentes
crianças de forma diferente. Não compreendemos plenamente as interações entre o
sistema imunológico, o genoma e todos os outros componentes do corpo.
Dr. Moises Chencinski (CRM-SP 36.349)- Pediatra
e Homeopata
membro do Departamento de
Pediatria Ambulatorial e Cuidados Primários da Sociedade de Pediatria de São
Paulo.
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